O dia é 18 de maio de
1973. Uma criança chamada Araceli Cabrera Sanches Crespo, de Vitória, Espírito
Santo é brutalmente assassinada. Seis dias depois, encontraram seu corpo
desfigurado com evidências de abuso sexual. Os dois principais suspeitos eram
pessoas de famílias muito influentes que foram condenados apenas em 1980.
Porém, após novo julgamento, foram libertos em 1991. No ano de 2000, o
Congresso Nacional instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes, exatamente na data da morte de Araceli.
Uma matéria realizada
pela BBC Brasil no ano de 2018, revelou o caos no controle de denúncias de
violência sexual contra as crianças. A matéria constatou que nenhum órgão
mapeia essas denúncias e nem monitora o que acontece com elas, impossibilitando
o acesso a dados estatísticos precisos. Na experiência clínica em atendimentos
psicológicos, o número é expressivo, contudo, alguns pacientes só conseguem
revelar que sofreram violência sexual na infância quando já estão na fase
adulta.
Alguns motivos
pontuados são: medo de que não fossem acreditar, receio em prejudicar a família,
vínculo afetivo com o agressor (confusão e desorientação devido à idade em que
o abuso ocorreu ou iniciou), sentimento de vergonha e culpa, sensação de que a
família não irá entender e poderá responsabilizar a vítima, dentre outras
razões.
O abuso sexual pode
contribuir para o desenvolvimento de uma série de transtornos mentais que poderão
acompanhar a pessoa por toda a sua vida. Podemos citar aqui problemas como
depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), dentre outros.
As pessoas que sofreram agressão sexual na infância ou adolescência também podem
se sentir desajustadas socialmente, podem se tornar inseguras, além de terem
grandes dificuldades em se relacionarem afetivamente com outras pessoas,
podendo também entrar em outros relacionamentos abusivos. Outro dado
importante, é que muitas vezes as pessoas que sofreram o abuso sexual, já
possuem algum histórico de outros casos que ocorreram na mesma família. Dados
colhidos no Reino Unido constatam que mais de 90% dos abusos são causados por
pessoas da mesma família.
Algumas crianças e
adolescentes têm uma mudança expressiva de comportamento que são fortes
indicativos de abuso sexual. Como por exemplo, demonstrarem medos que não
tinham antes, como de escuro, de ficar sozinha ou perto de mais de outras
pessoas. Também pode ocorrer uma alteração repentina no humor, de extrovertida
para introvertida, de calma para agressiva. Sintomas de culpa excessiva,
autoflagelação, até mesmo alguns casos de transtornos alimentares têm correlação
com abuso sexual na infância. A criança pode apresentar um comportamento
“regredido”, como fazer xixi na cama, ou comportamentos infantis que já havia
abandonado. O fato de muitas vezes sofrerem ameaças físicas do agressor, pode
fazer com que demonstrem um comportamento mais arredio e temeroso. A criança
pode sofrer uma mudança brusca nos hábitos, como baixo rendimento escolar e
isolamento. Também podem apresentar um comportamento mais sexual, envolvendo
brincadeiras com terceiros.
Independentemente da
idade da vítima, é importante que o ouvinte saiba como receber essa notícia.
Primeiramente, atente apenas a ouvir, não tente solucionar imediatamente, o
gesto da pessoa em contar já está sendo algo muito dificultoso. Pergunte sobre
como ela está se sentindo e não tente diminuir a sua experiência diante de
catástrofes maiores que venha a mente. Cuidado para não dar a entender, nem por
um minuto que a pessoa tenha alguma parcela de responsabilidade pelo que
aconteceu. Reagir de maneira violenta em relação ao agressor pode ser perigoso,
ainda mais se é alguém próximo da vítima ou com vínculos familiares. Demonstrar
indignação ou descrença pode prejudicar ainda mais, bem como espalhar para
terceiros o que ouviu. Não faça fofocas. O acolhimento é necessário e é o
início do processo de cura. Muitos podem recorrer a psicoterapia e
acompanhamento com profissionais especializados para auxílio emocional.
Existem medidas
eficazes que podem ser tomadas para auxiliar as vítimas, considerando, acima de
tudo, que ela deva ser encorajada a falar e fazer o que for preciso nestas
situações. Existem os telefones 190 (Polícia) e 181 (Disque Denúncia Anônima),
que são linhas seguras de denúncia, cuja as ligações são registradas e gravadas
para que haja o repasse correto para as entidades que encaminharão o caso.
Também existe um meio mais ágil em termos práticos que é se dirigir ao Fórum de
sua cidade e solicitar o promotor, que irá encaminhar a vítima imediatamente
para realizar todos os trâmites necessários. Muito importante ressaltar que o
crime de violência sexual contra a criança e adolescente, é um crime
imprescritível, ou seja, mesmo que a vítima já tenha atingido a idade adulta,
ela ainda pode denunciar o agressor que responderá pelo crime, independente de
quanto tempo tenha passado.
É válido ressaltar a
importância do acolhimento as vítimas e encorajamento para que essas crianças
não cresçam com esse segredo, minando a esperança de um futuro melhor, com
relacionamentos saudáveis, longe do perigo. Além de oferecer oportunidade de
tratarem o trauma e terem resiliência frente aos demais desafios da vida. Que
essas cicatrizes não definam um futuro sombrio, mas que mobilizem ações
eficazes para mitigar os riscos para as gerações futuras.
Lygia
Rolim Correia
Psicóloga
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