quinta-feira, 16 de maio de 2019

Maio Laranja



O dia é 18 de maio de 1973. Uma criança chamada Araceli Cabrera Sanches Crespo, de Vitória, Espírito Santo é brutalmente assassinada. Seis dias depois, encontraram seu corpo desfigurado com evidências de abuso sexual. Os dois principais suspeitos eram pessoas de famílias muito influentes que foram condenados apenas em 1980. Porém, após novo julgamento, foram libertos em 1991. No ano de 2000, o Congresso Nacional instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, exatamente na data da morte de Araceli.

Uma matéria realizada pela BBC Brasil no ano de 2018, revelou o caos no controle de denúncias de violência sexual contra as crianças. A matéria constatou que nenhum órgão mapeia essas denúncias e nem monitora o que acontece com elas, impossibilitando o acesso a dados estatísticos precisos. Na experiência clínica em atendimentos psicológicos, o número é expressivo, contudo, alguns pacientes só conseguem revelar que sofreram violência sexual na infância quando já estão na fase adulta.

Alguns motivos pontuados são: medo de que não fossem acreditar, receio em prejudicar a família, vínculo afetivo com o agressor (confusão e desorientação devido à idade em que o abuso ocorreu ou iniciou), sentimento de vergonha e culpa, sensação de que a família não irá entender e poderá responsabilizar a vítima, dentre outras razões.

O abuso sexual pode contribuir para o desenvolvimento de uma série de transtornos mentais que poderão acompanhar a pessoa por toda a sua vida. Podemos citar aqui problemas como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), dentre outros. As pessoas que sofreram agressão sexual na infância ou adolescência também podem se sentir desajustadas socialmente, podem se tornar inseguras, além de terem grandes dificuldades em se relacionarem afetivamente com outras pessoas, podendo também entrar em outros relacionamentos abusivos. Outro dado importante, é que muitas vezes as pessoas que sofreram o abuso sexual, já possuem algum histórico de outros casos que ocorreram na mesma família. Dados colhidos no Reino Unido constatam que mais de 90% dos abusos são causados por pessoas da mesma família.

Algumas crianças e adolescentes têm uma mudança expressiva de comportamento que são fortes indicativos de abuso sexual. Como por exemplo, demonstrarem medos que não tinham antes, como de escuro, de ficar sozinha ou perto de mais de outras pessoas. Também pode ocorrer uma alteração repentina no humor, de extrovertida para introvertida, de calma para agressiva. Sintomas de culpa excessiva, autoflagelação, até mesmo alguns casos de transtornos alimentares têm correlação com abuso sexual na infância. A criança pode apresentar um comportamento “regredido”, como fazer xixi na cama, ou comportamentos infantis que já havia abandonado. O fato de muitas vezes sofrerem ameaças físicas do agressor, pode fazer com que demonstrem um comportamento mais arredio e temeroso. A criança pode sofrer uma mudança brusca nos hábitos, como baixo rendimento escolar e isolamento. Também podem apresentar um comportamento mais sexual, envolvendo brincadeiras com terceiros.

Independentemente da idade da vítima, é importante que o ouvinte saiba como receber essa notícia. Primeiramente, atente apenas a ouvir, não tente solucionar imediatamente, o gesto da pessoa em contar já está sendo algo muito dificultoso. Pergunte sobre como ela está se sentindo e não tente diminuir a sua experiência diante de catástrofes maiores que venha a mente. Cuidado para não dar a entender, nem por um minuto que a pessoa tenha alguma parcela de responsabilidade pelo que aconteceu. Reagir de maneira violenta em relação ao agressor pode ser perigoso, ainda mais se é alguém próximo da vítima ou com vínculos familiares. Demonstrar indignação ou descrença pode prejudicar ainda mais, bem como espalhar para terceiros o que ouviu. Não faça fofocas. O acolhimento é necessário e é o início do processo de cura. Muitos podem recorrer a psicoterapia e acompanhamento com profissionais especializados para auxílio emocional.

Existem medidas eficazes que podem ser tomadas para auxiliar as vítimas, considerando, acima de tudo, que ela deva ser encorajada a falar e fazer o que for preciso nestas situações. Existem os telefones 190 (Polícia) e 181 (Disque Denúncia Anônima), que são linhas seguras de denúncia, cuja as ligações são registradas e gravadas para que haja o repasse correto para as entidades que encaminharão o caso. Também existe um meio mais ágil em termos práticos que é se dirigir ao Fórum de sua cidade e solicitar o promotor, que irá encaminhar a vítima imediatamente para realizar todos os trâmites necessários. Muito importante ressaltar que o crime de violência sexual contra a criança e adolescente, é um crime imprescritível, ou seja, mesmo que a vítima já tenha atingido a idade adulta, ela ainda pode denunciar o agressor que responderá pelo crime, independente de quanto tempo tenha passado.

É válido ressaltar a importância do acolhimento as vítimas e encorajamento para que essas crianças não cresçam com esse segredo, minando a esperança de um futuro melhor, com relacionamentos saudáveis, longe do perigo. Além de oferecer oportunidade de tratarem o trauma e terem resiliência frente aos demais desafios da vida. Que essas cicatrizes não definam um futuro sombrio, mas que mobilizem ações eficazes para mitigar os riscos para as gerações futuras.

Lygia Rolim Correia
Psicóloga