sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Pessoas machucadas machucam


Por que é importante curarmos as nossas feridas? Nunca um assunto foi tão recorrente em uma única semana. Eu já havia tratado deste tema com algumas pessoas e acho importante compartilhar algumas coisas, pois eu não quero que elas se percam ou eu esqueça. Melhor registrar enquanto ainda estão um pouco frescas na memória.

Algo importante que percebi é o quanto o meu estado de espírito interfere na forma como eu encaro as coisas. É bem simples, se eu estou bem, satisfeita e feliz, pode desabar o mundo a minha volta que eu puxo uma água de coco e me espreguiço. Agora se eu estou na bad, na pior, qualquer coisa me tira do sério, pode ser uma pomba fazendo um “pru” mais alto, ou uma coisinha de nada, meu sangue vai esquentando e quando vou ver já estou praguejando.

Praguejar e reclamar, e julgar e apontar erros, tudo isso fez parte da minha vida durante um bom tempo. Quando meus pais estavam se separando eram muitas brigas em casa. Não só entre eles, entre mim e eles também. Eu lembro que na escola eu tinha uma amiga que era bem despojada; ela era dura, mas na brincadeira. Certo dia eu cheguei para essa amiga e falei que não gostava do jeito que ela falava comigo e ela ficou assustada. Simplesmente não nos falamos mais, depois ficou meio ok, mas cada um no seu quadrado.

Mil anos depois eu encontrei essa amiga nas redes e mandei uma mensagem pedindo perdão, e explicando que era a época que eu mais estava machucada e que eu não diferenciava mais uma coisa da outra e tudo estava me machucando também. Ela respondeu que estava tudo bem e todos foram felizes para sempre. Fim.

Agora tente imaginar tudo isso em uma escala ainda maior. Imagine algo que sempre que você lembra, dói de novo e de novo? Você se sente assim em relação alguma coisa? Pois é, talvez você seja uma pessoa machucada também ou talvez algumas feridas ainda não cicatrizaram.

Qual é o perigo de manter uma ferida assim aberta? O perigo é você ferir outras pessoas, e geralmente são as mais próximas. Muitas vezes é sem perceber, o processo é bem mais inconsciente do que consciente ou premeditado. Nós conseguimos dar o que transbordamos, conseguimos dar o que temos. Existem pessoas que conseguem dar o que não tiveram, e isso é maravilhoso. Mas não é sobre isso que eu estou falando.

Manter uma ferida aberta dentro de você é permitir que ela crie raízes profundas no seu ser, tais raízes irão precisar de alimento e elas podem consumir a sua alegria, sua paz, sua vontade de estar com as outras pessoas. Tais feridas contribuem para que um vazio e uma dor comecem a crescer, tirando o sentido das coisas que antes eram tão prazerosas, mas que agora não tem cor.

O processo de olhar para dentro de si não é fácil, reconhecer os lugares escuros dentro de si pode ser uma tarefa amedrontadora, mas os fantasmas que sondam a nossa alma não se contentam em viver apenas dentro de nós, eles querem sair e muitas vezes ele saem em forma de ofensa, ou um descuido consigo mesmo pela falta de esperança, palavras duras sobre si, sobre os outros, sobre tudo. Pessoas feridas abrem feridas em outras pessoas, por isso é tão importante tratar essas feridas.

E como tratar? Eu poderia ser bem simplista dizendo para você fazer psicoterapia (sou suspeita para falar, aliás), mas antes é preciso reconhecer que existe algo embolorando seu coração e a sua mente.  Observe se as emoções estão controlando mais coisas do que deveriam. Dê ouvidos as pessoas mais próximas, inclusive se elas começarem a se preocupar. Você não precisa enfrentar tudo isso sozinho.

Algumas vezes entramos no círculo vicioso da culpa, começamos a ter comportamentos tóxicos, mas ao nosso ver, justificáveis e aí, mesmo que não seja o melhor, acaba sendo cômodo retroalimentar esse estilo de vida de novo e de novo. Culpa também machuca, a pessoa e quem está em volta. Culpa traz peso, mas não traz mudança de vida. Ela te acusa e você se conforma, é assim que ela funciona, te mantendo sempre no mesmo lugar. Cuidado com a culpa.

Tem um versículo que eu gosto bastante, ele me ajudou em muitos momentos: “Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas tu e tua descendência” (Deuteronômio 30.19).

Nós temos duas escolhas diante das nossas feridas, tratá-las, deixar Deus tratar, o psicólogo, psiquiatra, as pessoas que nos amam tratar, ou escolher viver de forma nociva para si e para todos a sua volta.

Grande abraço!
Até a próxima :)

Ly

Um comentário:

  1. Belo texto e parabéns pela iniciativa Lygia!

    O momento não poderia ser mais auspicioso, sendo que vivemos em uma sociedade onde desde jovem alimentamos o hábito de enterrarmos nossos problemas e frustrações em curtidas e compartilhamentos de facebook, instagram, twitter e outras redes. Fotos de momentos felizes nos fazem viver na impressão de que todos estão constantemente presenciando eventos memoráveis, criando uma fachada que contribui para a ansiedade social.

    Abordar esse tema é de extrema importância, muitas vezes o próprio reconhecimento que a ferida existe é obscurecido por esses fatores, sendo o maior obstáculo entre nós e uma possível cura. Correlacionar nosso comportamento com algo que possa ter nos afetado de uma maneira profunda e subjetiva não é uma tarefa trivial, as vezes a nossa própria mente cria mecanismos para tal. Temos que reconhecer também que o ser humano é orgulhoso, e o que dizer de nosso ego então, constantemente criando barreiras para não tranparecer nossas rachaduras, levando tudo isso em consideração, o aceitar a mera possibilidade de termos uma ferida e de que isso não nos diminui, já representa, ao meu ver, o maior avanço para a cura.

    É importante entendermos também que "Pessoas machucadas machucam" serve também para as pessoas a nossa volta, após a identificação de nossas feridas temos que aceitar o fato de que pessoas que convivemos possam estar em situação semelhante, com tristezas profundas escondidas sobre uma imagem imaculada, isso é essencial para diferenciarmos dinâmicas de relacionamento que contribuam para a ferida ou para a cura, e sabermos onde a nossa ferida termina e a do próximo começa a atuar, esse é um exercício dificil, pois requer autoconhecimento e honestidade com sua essência, mas após tratar algumas feridas fica mais fácil, de início é importante entender que nem sempre o gatilho para suas ações negativas será sua dor mas sim a interação com a dos demais.

    Ao fim devemos lembrar de tirar aprendizado de nossas feridas. Temos a incrível habilidade de nos adaptar, e as vezes a utilizamos de maneira errada, seja com um relacionamento tóxico, um emprego que nos frustra, ou um simples hábito nocivo. Nesse processo acabamos esquecendo nossa essência, nossa identidade, deixamos de "ser" para "estarmos". Devemos utilizar nossa capacidade evolutiva não para tornar as situações ruins toleráveis, mas sim para nos abtuarmos com o crescimento, com a ação de tranformar essas situações para nosso bem e de outros.

    Obrigado por compartilhar!
    Ah! E compartilho também um versículo que em pouco me diz muito, e um trecho mais conhecido, que ajuda a não desviar da fé em virtude das vicissitudes, alimentando um sentimento de positividade que nos da força para lidarmos com nossa saúde mental:
    "Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim, o coração do homem, ao homem."(Provérbios 27.19);
    "Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e do veneno. Minha alma, continuamente, os recorda e se abate dentro de mim. Quero trazer a memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto, esperarei nele." (Lamentações 3:19-24).


    ResponderExcluir